Nas cercanias de piratini e canguçu, no interior do Rio Grande do Sul, entre os cerros varridos pelo minuano e as coxilhas douradas de pasto nativo, corre uma história que os mais antigos ainda contam entre um mate e outro. É a lenda do surrão do boi mouro — um segredo enterrado com sangue, ouro e silêncio.

Dizem que, há mais de um século, nos tempos turbulentos da Revolução Farroupilha, vivia por ali um estancieiro de posses, homem desconfiado e resguardado, que não confiava nem na própria sombra. Tinha gado grosso, tropa de cavalo encilhada e armazém cheio, mas o que mais lhe pesava nos galpões era o baú de moedas — ouro verdadeiro, cunhado, que herdara do pai e guardava com zelo de onça.

O problema é que a revolução já se arrastava por seis longos anos. Os farrapos, esfarrapados de verdade, tomavam tudo que achavam: cavalo, poncho, gado e até moedas. Tudo passava a ser “bem da república”, como diziam com orgulho, e isso bastava para o estancieiro tremer de medo.

Foi então que ele tomou uma decisão extrema. Mandou matar um boi mouro — animal grande, forte, o mais vistoso da tropa. Com seu couro curtido, mandou fazer um surrão grosso, de tamanho descomunal, e ali, peça por peça, depositou toda a fortuna. O ouro fazia peso, e o couro rangia como se protestasse.

No alvorecer de um dia cinzento, encheu uma carreta com o surrão. Uma junta de bois puxavam o cargueiro, e junto ia um homem de confiança: um escravo de nome ignorado, silencioso e fiel. Tomaram rumo para os lados da Costa do Camaquã, seguindo os campos do Cerro Alegre, onde o mato é fechado e a serra guarda mistérios.

Conta-se que o rangido da carreta e o grito do carreteiro — “êra, boi!” — ecoaram pela encosta da serra por muitas léguas. Depois disso, mais ninguém soube do paradeiro do estancieiro nem do tal surrão.

Mas há quem diga, em sussurros, que o velho escolheu um lugar isolado, perto do Boqueirão, e ali fez o escravo cavar um buraco fundo, bem fundo. Quando o surrão já estava coberto de terra e folhas, o estancieiro pegou a velha garrucha e, sem dizer palavra, matou o escravo com um tiro seco no peito. Enterrou o corpo ali mesmo, sobre o surrão, como guardião eterno da fortuna.

Desde então, a história virou mal-assombro. Muitos dizem que o ouro ainda está lá, e que em certas noites o vento traz o som abafado de uma carroça e passos pesados de bois. Mas a lenda adverte: quem encontrar o surrão, não pense que basta cavar e carregar. Diz-se que o espírito do escravo ainda vela pelo tesouro, de faca na mão e olhos de fogo. E que só aquele que tiver coragem de enfrentá-lo num duelo sangrento poderá, enfim, levar o ouro do boi mouro.

Mas cuidado — ninguém sabe se é verdade, e ninguém que tentou voltou pra contar.

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Última Atualização: 12 de maio de 2025