Contam os antigos que, no tempo da escravidão, havia uma fazenda nos campos de Canguçu, no sul do Brasil. Era uma terra bonita, de céu aberto e vento forte, mas marcada por dores que não aparecem nos mapas.

Naquela fazenda, o senhor de engenho era conhecido por sua crueldade. Não aceitava a velhice dos escravizados como parte natural da vida. Quando julgava que um deles já não servia como antes, impunha um cruel destino.
O velho era colocado sobre o lombo de uma mula preta chamada Farrapa — animal treinado para correr até a beira de um penhasco. No último instante, Farrapa travava os cascos com força, e o corpo montado era lançado no vazio.

Assim desapareciam os que já haviam servido demais. E o silêncio voltava como se nada tivesse acontecido.
Mas houve um dia diferente.
O escravizado da vez era um homem já gasto pelo tempo, mas com olhos que ainda guardavam firmeza. Amarraram-lhe os pulsos e o colocaram sobre Farrapa, como de costume. A mula partiu no trote conhecido, sem hesitar.

No caminho, o homem percebeu uma argola de ferro presa à sela — uma peça do arreio. Usando os dentes e o pouco de força que lhe restava, ele conseguiu soltá-la. Quando o vento apertou no rosto e o abismo apareceu ao longe, ele agiu.
Levantou o corpo como pôde e, com a argola em punho, golpeou a cabeça da mula com tudo o que tinha.
O som do ferro batendo ecoou pelos campos. Farrapa vacilou, tropeçou — e caiu.

O homem rolou pela terra dura, mas não caiu no abismo. Quando se levantou, ferido, viu a mula deitada, imóvel, morta.
Então ele correu. Correu como nunca. E nunca mais foi visto naquela terra.
Dizem que, nas noites de vento forte em Canguçu, ainda se ouve o som dos cascos de Farrapa batendo no chão, como se procurassem alguém.

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